Economia Mundial

Carta de Conjuntura Nº 32

Por Paulo Mansur Levy

O terceiro trimestre do ano caracterizou-se pela reversão das expectativas mais negativas que prevaleciam ao final de junho, sem que se tenha conseguido, porém, superar as incertezas de caráter mais estrutural. O período começou sob o impacto da decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia (processo que ficou conhecido como Brexit). Os efeitos negativos dessa decisão, no entanto, acabaram revelando-se menores do que o esperado, pelo menos até o momento: a libra desvalorizou-se 13% logo após o anúncio do resultado do plebiscito, estabilizando-se posteriormente nesse novo patamar, enquanto os dados de atividade também apresentaram recuperação após queda em junho e julho. Na Área do Euro (AE), onde se esperava que o impacto negativo do Brexit seria sentido mais intensamente, a tendência de crescimento moderado não parece ter se alterado, embora o crescimento do segundo trimestre tenha desacelerado em relação ao primeiro. O crescimento moderado do período na AE foi influenciado positivamente pelas exportações, algo que deve ser difícil de sustentar diante do modesto crescimento em volume no comércio internacional.

Nos EUA, a reunião de junho do Comitê de Política Monetária (FOMC na sigla em inglês) do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) trouxe um tom mais cauteloso quanto à perspectiva de aumento da taxa de juros. Na ata daquela reunião, o FOMC reconheceu os sinais ambíguos quanto ao nível de atividade (os dados de emprego de maio foram particularmente ruins) enquanto o cenário internacional incerto, inclusive pelo temor quanto aos efeitos do Brexit, também foi usado como justificativa para um eventual adiamento da desejada normalização da política monetária. Desde aquele momento, contudo, houve significativa melhora no mercado de trabalho e o Brexit, como mencionado, não teve o impacto negativo de curto prazo que se temia. Os indicadores de atividade nos EUA (produção industrial, setor habitacional, vendas do varejo, confiança), no entanto, têm se mostrado voláteis e a inflação (medida pelo núcleo do deflator das despesas de consumo das famílias, PCE na sigla em inglês) tem se mantido abaixo do objetivo de longo prazo do Fed, de 2% ao ano, ainda que em ligeiro crescimento. Nas discussões internas do FOMC e nas declarações de seus membros, voltaram a ganhar força os defensores de um aumento dos juros, e a reunião de setembro apontou claramente que uma nova elevação da taxa de juros Federal Funds deve acontecer ainda em 2016. Não obstante, a expectativa é de que essa elevação seja bem gradual.

A esse quadro mais geral de falta de dinamismo da atividade econômica somou-se o Japão, onde a inflação próxima de zero e novos sinais de perda de fôlego do crescimento vêm colocando em xeque a efetividade da política monetária, de modo que em julho foi anunciado um novo pacote fiscal. Em sua reunião de setembro, o Banco do Japão (BoJ, na sigla em inglês) anunciou uma nova forma de operar a política monetária, fixando uma meta de juro zero para os títulos de 10 anos do governo japonês, além da manutenção dos demais instrumentos, como a compra de ativos e o compromisso com a obtenção de uma inflação superior a 2% ao ano. Trata-se de uma tentativa inédita por parte da autoridade monetária de fixar a estrutura a termo da taxa de juros, algo que equivale a um afrouxamento quantitativo (QE, na sigla em inglês) sem limites. Os títulos do governo japonês de 10 anos vinham sendo negociados a taxas negativas em termos nominais.

Nos mercados emergentes, as perspectivas para a China parecem ter se estabilizado no que se refere ao crescimento de curto prazo. Isso não significa, contudo, que tenham desaparecido as desconfianças quanto a sua sustentabilidade no médio prazo. A China encontra-se em meio a uma transição na qual o peso do passado, sob a forma de um endividamento elevado, acumulado principalmente depois de 2008, impede que os novos setores e fontes de dinamismo avancem mais rapidamente. Apesar disso, as políticas fiscal e monetária têm estimulado a atividade econômica, mantido os investimentos em infraestrutura e sustentado o crescimento em patamar ainda elevado, ainda que obviamente inferior às taxas estratosféricas de alguns anos atrás. A confiança dos empresários da indústria em setembro aumentou novamente, voltando em alguns casos ao terreno da expansão, acima de 50 pontos, indicando assim certa estabilização do atual ritmo de crescimento.

Na América Latina, o crescimento também parece ter se estabilizado, embora em níveis relativamente baixos quando comparados ao observado no período de boom de preços de commodities. Por outro lado, as notícias positivas quanto aos efeitos menores que esperados do Brexit e a perspectiva de adiamento da elevação dos juros nos EUA, e de um gradualismo comedido quando voltarem a subir, mantiveram o ambiente favorável no que se refere à aceitação de riscos pelos investidores internacionais. Isso permitiu alguma valorização cambial e favoreceu o controle da inflação de modo que as políticas monetárias na região vêm se tornando menos restritivas.

As previsões de crescimento da economia mundial vinham sendo sistematicamente revistas para baixo (Gráficos 1 e 2), refletindo o ritmo relativamente mais lento da atual recuperação em comparação a ciclos anteriores. Atualmente, as projeções do FMI apresentadas no Panorama da Economia Mundial (WEO na sigla em inglês), de outubro, são de um crescimento da economia mundial de 3,1% em 2016 e 3,4% em 2017 – projeções que se mantiveram estáveis em relação ao relatório de julho, mas que encobrem uma nova revisão para baixo do crescimento em 2016 dos países desenvolvidos (-0,6 ponto percentual nos EUA) e movimento em sentido oposto para os países emergentes, especialmente Rússia e Índia (Tabela 1). Vale notar que apenas a China, apesar da forte desaceleração de seu crescimento nos últimos anos, deve contribuir com quase 40% do crescimento global.

Acesse o texto completo



------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Fale com o autor

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *