Resultado primário e contabilidade criativa: reconstruindo as estatísticas fiscais "acima da linha" do governo geral

Resultado primário e contabilidade criativa: reconstruindo as estatísticas fiscais "acima da linha" do governo geral

Este estudo apresenta um panorama das finanças públicas brasileiras a partir de um meticuloso trabalho de depuração e reconstrução das estatísticas fiscais, no qual os dados do governo central são submetidos a inúmeros ajustes para expurgar os efeitos das medidas não recorrentes (por exemplo, contabilidade criativa e pedaladas fiscais) e posteriormente integrados aos dados de estados e municípios. O resultado são estimativas inéditas do resultado primário “acima da linha” do governo geral – ou seja, das três esferas de governo – em frequência mensal para o período de janeiro de 2002 a abril de 2016. A análise das séries históricas coloca em questionamento a hipótese de que a deterioração recente do resultado primário tenha sido provocada por um aprofundamento do expansionismo fiscal via gastos. No máximo, pode-se dizer que os subsídios ocuparam papel proeminente no expansionismo fiscal recente, ao lado das desonerações tributárias pelo lado das receitas, e que esse novo mix de política fiscal – em substituição do investimento público – pode ter sido ineficaz para sustentar o crescimento econômico, além de apresentar elevado custo fiscal.

Dessa forma, a despesa primária reconstituída passa a refletir de modo mais fidedigno o verdadeiro movimento de expansão fiscal ocorrido na última década e possibilita que se compare sua intensidade ao longo do tempo. A análise realizada demonstra o seguinte.

1. A taxa real média de crescimento das despesas entre 2002 e 2015 foi de 4,4% na esfera federal, 4,1% na esfera municipal e 2,8% na esfera estadual, neste último caso, equiparando-se ao crescimento médio do produto interno bruto (PIB).

2. Essas taxas são 1,5 ponto porcentual (p.p.) maiores se computadas a partir do deflacionamento das séries pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em vez do deflator implícito do PIB, indicando uma tendência persistente de um índice superar o outro.

3. As taxas reais de crescimento do gasto não se tornaram maiores no período recente; ao contrário, há um processo de acomodação como reflexo da própria desaceleração do PIB, que serve de indexador – via salário mínimo – para grande parte dos benefícios sociais, de modo que não se pode caracterizar o período recente como o mais expansionista pelo lado da despesa pública.

4. No caso específico do governo federal, há notável estabilidade no ritmo elevado de crescimento do gasto, mesmo quando retrocedemos a 1997, ou seja, ao período anterior aos governos do PT.

5. Em termos de composição do gasto, entretanto, há uma inflexão em 2010 de um período de acentuada expansão dos investimentos públicos para outro de aumento dos subsídios e das desonerações tributárias na esfera federal, o que evidencia uma mudança significativa no mix da política fiscal.

6. A redução de longo prazo do resultado primário pode ser explicada pela expansão do gasto público, mas a deterioração recente está associada à crise econômica e a seus efeitos sobre a receita pública, que são mais pronunciados em recessões agudas como a enfrentada pelo país em 2015 e 2016.

7. Em 2015, enquanto o PIB caiu 3,8%, a receita primária do governo federal caiu 6%, de tal sorte que a contração do gasto público (3,4% pelo deflator do PIB ou 4,3% pelo IPCA) não proporcionou nenhuma melhora do resultado fiscal, podendo inclusive ter contribuído para sua piora por se basear em cortes significativos nos investimentos públicos.


Autor


Pires, Gustavo M. V.

Schettini, Bernardo P.

Luciano Vereda

Santos, Cláudio Hamilton M. dos

Felix Garcia Lopez

Ana Luiza Neves de Holanda Barbosa

Pedro Herculano de Souza

José Celso Cardoso Jr.

Roberto Nogueira

Sérgio Wulff Gobetti

Rodrigo Octávio Orair

Eneuton Pessoa Carvalho Filho

Sheila Cristina Tolentino Barbosa

Antonio Lassance

Erivelton Pires Guedes

Eneuton Dornellas Pessoa de Carvalho Filho


02/04/2018 - 14:19:32




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